Afinal, onde estão os poetas?
- Daniela Martinho

- 7 de set.
- 2 min de leitura
No mundo de hoje, onde existe liberdade de escolha para sermos quem, como e quando quisermos, somos convidados a reinventar-nos em milhares e infinitas formas. Novas profissões surgem. E dentro deste amplo cenário, pergunto-me:
— Onde é que andam os poetas?
Esta reflexão vem acompanhada de uma memória de infância marcada por mudanças, tentativas e erros.
Tinha cinco anos quando os meus pais mudaram-se para fora de Lisboa. Uma decisão que nos levou a deixar para trás a nossa alargada família, amigos e tudo o que conhecíamos, para viver os três, numa casa longe de tudo e de todos. A cerca de 251 km de distância, a cerca de 3 horas de viagem e uma vontade gigante de recomeçar.
Na altura, sem grande consciência do que se passava fora da minha bolha, não tive voto na matéria. Os meus pais, no entanto, tomaram cuidados para que a mudança não fosse abrupta. E assim, desde cedo, comecei a experimentar várias atividades, na tentativa de encontrar o meu lugar neste novo mundo: aulas de catequese, aulas de ginástica acrobática, aulas de hip-hop e danças de salão, equitação...
E aqui segue o meu veredicto: 1) as igrejas e as cruzes assustavam-me; 2) a ginástica exigia prática e paciência — duas qualidades que ainda me faltavam; 3) apesar das danças serem onde eu mais me identificava, o medo de subir ao palco gritava mais alto; e, quanto aos cavalos, eles não eram, de longe, os mais dóceis.
Após muitas tentativas e erros, demorei a perceber onde é que realmente encaixava neste mundo — onde a minha pequena presença poderia contribuir? E a resposta sempre esteve ali, bem na frente dos nossos narizes. Entre deslocações de carro, pausas, horas de almoço, ao final de cada tentativa, eu regressava a casa exausta, mas, aliviada de alguma forma. Corria para o meu lugar seguro: o meu canto especial, com uma manta ou algo confortável, e um livro na mão. Às vezes, começava um livro à tarde e terminava-o nessa noite, lendo de seguida, até mesmo durante a hora de jantar. Os meus pais não gostava muito que eu comesse a ler ao mesmo tempo, mas também não me proibiam. Era difícil largá-los, inclusiva na hora de deitar, adormecendo muitas vezes com o livro aberto e os óculos presos na cara.
Quando não lia, escrevia. No diário, num caderno, numa folha, sobre qualquer assunto que me viesse à cabeça.
Eu não encaixava em nenhum outro sítio, a não ser ali. E esse, afinal, era o meu destino. Por isso, quando alguém pergunta: "Onde estão todos os poetas?"
Eis a resposta:
Estão dentro de casa, agarrados aos seus livros e canetas, no meio de rascunhos dobrados e rasurados, a tentar procurar um espaço neste mundo.




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